domingo, 29 de maio de 2011

poema - marcas no tempo


Voltei a mergulhar as mãos nas tintas,
como quem adora brincar com lama,
a mesma sofreguidão, ao modo antigo,
com que se abraça um corpo que se ama,
e festa a festa, carinho a carinho,
vou juntando calor, a cor e a forma,
misturando aqui e ali, devagarinho,
a carícia de luz que lhe faltava,
um ponto, meia sombra, um traço fino…

Depois, gozando da magia e do prazer,
cansado, repouso lado a lado,
contemplo o inacabado à exaustão,
repiro fundo e sopro-lhe alma, a vida,
que lhe vai dar o dom de ser só ela
a gerir a imensidão do seu futuro,
para além das medidas de uma tela,
qual pai que solta e manda um filho,
livre no espaço, à conquista do mundo.

E de mãos prenhes de luz e de sabor
se faz a viagem, o retorno, o andar,
aqui e além deixando sempre a marca:
nos contrastes, nos tons, uma mensagem
nos brancos, nas linhas, na tinta da carta.
É a minha maneira de escrever meu nome
com traços pessoais, letras ternas,
galeria do infinito, além da imagem,
nesta forma muito minha de amar.


 In: "Exercício de Pintura"                                                                 Aguarelas de Ivone Martins 
                                                                                      

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