segunda-feira, 3 de junho de 2013

puzle da espera

o meu pai no caminho
da idade sentado ao canto
da cozinha esperava
dormitava e pensava
juntando num puzle
de oitenta e duas peças
os recortes delicadamente
escolhidos nas madeiras de
tantas variedades e texturas

imaginava a construção
de trípticos definidos e
interligados tal como
a sua vida que sempre fora
construída em trilogias
de arte e sentimentos vários
sons mãos madeira
laços silenciosos família
o perto o aqui e o longe

e colecionava as linhas
e as notas nas partituras
subindo degraus ou
repicando os sinos
como só ele sabia
mesmo que a filarmónica
caminhasse pela rua
engalanada a rigor
em dia de alvorada

construira casas e móveis
desenhara presépios e calvários
santos e coros de janeiras
que ainda escutava na distância
sempre que as voltas da viagem
passavam mais perto
e as mãos enroladas ainda
apanhavam esses papeis com história
ao longo da longa espera

e de espera em espera
na idade da espera na sala
suspirava com algum desalento
como quando desenhava
os dias da idade e sentado
no canto da cozinha pensava
dormitava e me ensinava
que a vida pode ser mais
que uma espera em vida

entre a desesperança e o futuro
escondido no silêncio
cedia-me a cadeira
as peças recortadas
do puzle e os ecos
de uma nova espera
reinventada e repetida.
e suspirava um desabafo
universal uma vez mais

dizendo: "é a vida"

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