segunda-feira, 16 de julho de 2012

"o almanaque dos escritores"


na rádio um poema lido
com voz intimista de circunstância:
dois colegas de escola
este bom em matemática literatura
filosofia poesia e outras artes
visuais e auditivas
terra a terra sensíveis.
aquele dedicado à ciência física
e química com apetência para outros voos
menos íntimos pouco lúdicos
nada estéticos. aquele publicou textos
e cartas de amor com o mesmo intervalo
com que o segundo oferecia
bombas de misericórdia
assim ele dizia os útimos desejos
vistos lá do alto aos que num ápice
iriam ser sacrificados em nome
de uma ideia uma cultura um deus.
o dele
nunca o deles.
alucinação contagiante fantasia
egocêntrica

nadava o primeiro entre livros
e folhas de água calma no lago
repousado de orlas claras
em balanceadas linhas sensíveis
cores de repouso e criação
alheadas das outras cores
de fogo sons relâmpagos
explosões de terror insensível
às erupções interiores
das consciências

parei o carro à beira da estrada
desliguei o motor e entrei
neste pequeno oásis de tempo
sem muros. só os desenhos
no jardim canteiros e arbustos
continuei a escutar ...
entre dois lados contrários
há sempre um terceiro ponto de vista:
chamar-lhe-ão alguns verdade
direi talvez: caminho. o meu.

e todos os dias às sete horas
e trinta minutos de cada tarde
a mesma voz circunstancial
alinha datas recorda efemérides
e lê um poema do almanaque
que eu gostava
ter escrito

In: "quando menino eu lia...", João S Martins, inédito

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